“Podemos dizer que Sueli nos faz pensar em como os dispositivos de racionalidade são os produtores de epistemicídios”
Tese “A construção do outro como não ser com fundamento do ser” de Sueli Carneiro foi debatida durante palestra na Semana da Comunicação
Por Gabriela Barbosa e Maria Carolina*
Na noite do dia 23 de outubro, ocorreu o 3º encontro da roda de conversa “Conhecendo Sueli Carneiro” por iniciativa do Núcleo de Estudos Étnico-Raciais (NERA), sob orientação das professoras Maria Lúcia e Taís Oliveira. A cada reunião, que se iniciou em 2 de outubro, são apresentados e discutidos os trabalhos e conceitos estudados pela filósofa, escritora e ativista antirracismo do movimento social negro brasileiro.
Para ministrar a discussão a respeito da tese de Sueli, “A construção do outro como não ser com fundamento do ser”, foi convidada a professora, doutora em História Cultural pela Unicamp e autora do prefácio do livro “Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra” da estadunidense bell hooks, publicado neste ano pela editora Elefante, Mariléa de Almeida.
O início
Ao iniciar o bate-papo com o público presente, Mariléa conta que conheceu o trabalho de Sueli Carneiro em 2008, quando cursava seu mestrado, ao buscar referências de outros autores que estivessem estudando o filósofo francês Michel Foucault, principalmente em relação ao conceito de biopoder. “Eu lembro de ter ficado louca ao descobrir sobre a tese da Sueli. Perguntei para minha orientadora se ela conhecia, já que estava há mais de 40 anos estudando o Foucault, e ela nunca tinha ouvido falar”, disse aos risos.
Educar é transformar
Mariléa também cita o livro “O Movimento Negro é um educador” de Nilma Lino Gomes, que aborda a importância do adensamento das discussões levantadas por pessoas que lutam contra o racismo e por seus direitos. “Se não fosse por este movimento, não teríamos o ensino de História da Arte em nossos currículos, assim como outros ganhos como, por exemplo, o direito dos quilombolas à propriedade de suas terras, visto na Constituição de 1988”, ressalta.
“Podemos dizer que Sueli nos faz pensar em como os dispositivos de racionalidade são os produtores de epistemicídios”, diz ao apresentar os principais pontos da tese. Neste contexto, Mariléa explica que o poder acaba por se multiplicar, criando dispositivos de conhecimentos e saberes que propiciam a fazer surgir indivíduos e corpos matáveis, ou seja, os negros que sempre estiveram vulneráveis e suscetíveis a se encontrarem nesta situação, como demonstra dados do Ipea, onde mais de 75% das mortes violentas intencionais foram de indivíduos negros, e mais da metade de jovens entre 15 e 29 anos. “É o apagamento e a cultura do não pensar que precisamos lutar contra.”
Assim, também critica a forma como a academia se mostra negligente quanto a situação do negro e o seu não reconhecimento na sociedade brasileira. “Existe uma interdição no discurso. Falar sobre genocídio? Difícil”, diz. E cita o caso do manifesto para aprovação dos projetos da Lei de Cotas nas universidades, que recebeu assinaturas contrárias de intelectuais que estudam a questão do racismo estrutural e do movimento negro no Brasil. “A esta questão chamamos de ‘objeto de ciência’, ou seja, somos estudados para X coisa para que outro alguém conquiste o prestígio e a glória.”
E destaca o quanto o movimento negro precisa manter-se unido, sem hierarquias ou estereótipos. “Não existe isto de mais ou menos negro e militante. Temos que estar todos juntos.”
Compartilhar é refletir
Durante abertura para perguntas, Cyda Baú, atriz que está em cartaz com a peça “Os Rastros das Marias” no Espaço Cia do Pássaro, fez um relato emocionante ao expressar seu olhar a respeito dos assuntos tratados ao longo do evento, e diz que levará a bagagem que colheu da noite por um longo tempo. “Me senti muito emocionada com tudo o que foi falado hoje. Como mulher negra, quilombola, mãe e representante da classe artística, é realmente importante participar destas discussões e principalmente nos espaços acadêmicos”.
- *Alunas do 5º semestre do curso de Jornalismo e monitoras da Agência Integrada de Comunicação (AICom) e do NERA. Texto publicado originalmente no https://aicomfiam.net/