“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”

Angela Davis esteve no Brasil para divulgar sua autobiografia e participou de uma série de palestras nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro

Por Maria Carolina e Gabriela Barbosa*

Na segunda-feira (21), a filósofa americana Angela Davis esteve na Conferência intitulada “A Liberdade é Uma Luta Constante”, que reuniu cerca de 15 mil pessoas na área externa do Auditório Oscar Niemeyer, Parque do Ibirapuera. O evento também contou com a presença da escritora Bianca Santana e da pesquisadora Raquel Barreto, responsável pelo prefácio da autobiografia de Davis. A mediação ficou a cargo de Christiane Gomes, da Fundação Rosa Luxemburgo. A Editora Boitempo foi a idealizadora do evento.

Apesar de já ter vindo ao Brasil oito vezes, (no caso, permaneceu na Bahia, onde considera ser o coração do país) esta é a primeira vez de Angela Davis em São Paulo. “Eu estou impressionada com o grande número de pessoas que vieram aqui essa noite. E eu gostaria que houvesse tempo para nos cumprimentarmos individualmente. Ao mesmo tempo eu sinto que todos nós somos parte de algo muito maior”, disse emocionada.

“O Brasil ainda me dá esperança”

Se mostrando antenada sobre o contexto sócio-político atual do Brasil, Davis relembrou alguns casos nacionais e sua importância na luta do Movimento Negro e pelo anticapitalismo, bandeiras das quais é famosa pela militância e estudos compartilhados pelo mundo. E em um momento de palavras de ordem, citou a ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018.

“Vocês me lembram a marcha das mulheres negras em 2015. As mobilizações que ocorrem contra a violência policial racista. Grandes protestos que ocorreram em resposta ao assassinato de Marielle. Nós somos o legado dela e temos o dever de continuar a lutar em prol da justiça social e das comunidades LGBTQ, pelos movimentos dos sem teto e sem-terra.” E complementa. “Em prol da democracia e do socialismo. Marielle presente!”.

Angela também falou que o Brasil tem diversas mulheres importantes para o feminismo negro, e ressalta os trabalhos de Sueli Carneiro e Lélia Gonzalez.  “Nós, nos Estados Unidos, necessitamos ter acesso a essas escritas, ideias e práticas que constituem o feminismo negro brasileiro muito mais do que vocês necessitam de nossas referências”.

A luta continua

O caso da pequena Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, que foi morta durante uma operação policial no Morro do Alemão por um tiro nas costas, teve repercussão de escala mundial e foi lembrada por Angela. “Por que uma criança linda e negra deveria ser forçada a sucumbir sua própria vida em função de uma política de atirar antes de perguntar? Não seria o caso que a violência policial e a violência perpetrada pelo Estado ajuda a reproduzir a violência das gangues, a violência dentro das comunidades e, de forma mais ampla, a violência nos espaços íntimos?”.

Ela também debateu sobre o sistema prisional brasileiro, que desde 1990, segundo dados do Banco de Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), continua crescente fazendo com que o país ocupe o terceiro lugar no ranking de encarceramento em massa, sendo grande parte dela constituída de declarados negros.

“Se algumas pessoas negras podem ser acusadas de serem traficantes de drogas, então praticamente qualquer pessoa negra, todas as pessoas negras, particularmente aquelas que residem em determinados bairros e comunidades, podem ser considerados suspeitos e suspeitas.”

Novos conhecimentos

Apesar da agenda cheia, Angela tirou alguns dias para conhecer personalidades da luta do Movimento Negro, como Preta Ferreira, do Movimento dos Sem Teto do Centro. Além disso, durante o bate-papo, ela compartilhou como ocorreu seu encontro com Érica Malunguinho, deputada estadual de São Paulo e primeira mulher trans negra eleita para um cargo no legislativo em todo o mundo. “Quisera eu que ela fosse representante no meu congresso. Como consideramos as lutas engajadas por mulheres negras por todo esse hemisfério, nós reconhecemos que não pode haver nenhuma democracia sem a participação plena das mulheres negras. Quando as mulheres se movimentam e se engajam em prol da liberdade, elas nunca representam a si mesmas sozinhas, elas representam todos que são membros de suas comunidades”.

*Alunas do quinto e quarto semestre do curso de Jornalismo, respectivamente. Ambas são monitoras do NERA.