Eleições em tempos de desinformação
Por Ivan Paganotti*
Não é possível saber ainda qual foi o impacto das fake news nas eleições brasileiras. Mesmo depois de dois anos, pesquisadores ainda debatem o quanto esse fenômeno recente foi determinante nas eleições norte-americanas de 2016, que terminou com uma margem de votos menos elástica do que no caso brasileiro. Não se pode esquecer que a definição do voto é um processo complexo, que envolve mecanismos de identificação muitas vezes inconscientes, e nem sempre as informações (sejam verdadeiras ou falsas) são determinantes para a escolha ou o abandono de um candidato.
Mas é inegável que muitas informações sem fundamentação acabaram sendo usadas para justificar, condenar ou propagar a adesão a candidaturas políticas. O desafio é ponderar a ameaça das fake news com soluções que não tragam efeitos ainda mais prejudiciais que o problema original, o que pode levar a práticas de censura ou mecanismos de vigilância e perseguição por parte de agentes públicos ou privados.
Em primeiro lugar, é importante definir precisamente o que se entende como fake news. Definições muito amplas desse conceito incluem qualquer forma de mentira, e podem acabar igualando propaganda enganosa, opinião sem fundamentação, boatos propagados por redes sociais e até erros da imprensa. Lideranças políticas como Donald Trump, presidente dos EUA, adotam essa amplitude para desacreditar seus críticos na imprensa, apontando imprecisões dos jornalistas para não responder às suas acusações fundamentadas – um mecanismo de desinformação que aposta na confusão generalizada para fomentar o descrédito na imprensa.
Entretanto, é importante lembrar o sentido original dessa expressão quando ela começou a se tornar popular nos últimos anos. Ela originalmente tratava de sites fabricados para parecerem com órgãos da imprensa, simulando o formato e a linguagem jornalística para enganar seu público com manchetes bombásticas e informação comprovadamente falsa. Alguns desses sites foram propagados durante períodos de intenso debate político, como a eleição dos EUA, o referendo do Brexit no Reino Unido e a votação do tratado de paz com as Farc na Colômbia.
As histórias falsas se aproveitavam da sede do público por escândalos, fatos e opiniões chocantes para enganar uma audiência que desconhecia essas fontes de informação, mas acabava ajudando a propagar conteúdo falso ao compartilhar esses links em redes sociais.
Desde então, jornalistas, pesquisadores e parte do público passaram a denunciar essas fontes falsas, fomentando uma verdadeira histeria contra a ameaça das fake news e seu potencial de desinformação. Plataformas de redes sociais como Twitter, Facebook e Whatsapp e mecanismos de busca como o Google realizaram mudanças em seus códigos de conduta e algoritmos para banir ou diminuir a visibilidade desses conteúdos falsos. Legisladores e juízes passaram também a oferecer alternativas para combater a ameaça de conteúdo enganoso – e aí mora o risco de que um problema de desinformação acabe por levar à supressão da liberdade de expressão.
Juízes não podem ser os responsáveis por determinar se uma informação é verdadeira ou não, nem definir o que pode circular ou não no espaço público – isso seria pura e simples censura. Legisladores tem aproveitado a histeria coletiva com as fake news para propor leis supostamente para combater essa ameaça, mas que podem muito bem serem usadas para silenciar críticos e impedir denúncias. Esse fenômeno já ocorre em países como a Malásia, que aprovou lei contra fake news que levou à autocensura e à diminuição da liberdade de expressão e possibilidade de crítica da imprensa e do público.
Afinal, é papel do público ponderar a informação e considerar se ela se sustenta em fontes com credibilidade e que podem ser checadas. Agentes privados ou públicos, mesmo que bem-intencionados, não devem sacrificar a liberdade de expressão na tentativa de tutelar o público sobre o que pode ou não ser visto ou lido. É responsabilidade do público avaliar racionalmente as informações que recebe antes de repassá-las – ou usá-las como base para sua tomada de decisão. Para isso, é benéfico que agentes da mídia como as agências de checagem divulguem os mecanismos próprios do jornalismo para apurar fatos, mostrando ao público como todos podem se apropriar dessas técnicas para evitar que sejam enganados, ou que passem a enganar uns aos outros. A educação do público sobre o funcionamento da mídia é passo essencial para que todos possamos identificar as fake news e desconsiderá-las – mas sem ameaçar a liberdade de expressão e sem erodir a confiança sobre o trabalho da imprensa.
* Prof. Dr. Ivan Paganotti – professor do Mestrado Profissional em Jornalismo FIAM-FAAM e co-criador do site “Vaza, Falsiane!” – https://vazafalsiane.com