O epistemicídio na educação e suas consequências

Edson Linhares da Silva*

“No último semestre do curso de Ciências Sociais decidi fazer um projeto de Iniciação Científica para obter experiência em relação à pesquisa e também devido à falta de referenciais negros (as) na docência e bibliografia do curso, que quando apareceram, foram de forma pífia.

Diante dessa realidade, defini pesquisar a temática do epistemicídio, e para orientação do trabalho, o prof. Ms. Pedro Malina aceitou o meu convite de desenvolvermos uma análise sobre a funcionalidade da ciência e como ela se manifesta na academia para ocasionar a falta de referências de pessoas negras ocupando espaços intelectuais ou desconhecer as existentes.

Com o título: “O pensamento Ocidental e o Epistemicídio na educação, a porta de entrada do racismo e do genocídio da população negra brasileira”, analisamos o conceito de epistemicídio, no qual significa a morte, a eliminação de epistemologias que estão fora do eixo hegemônico da cultura ocidental e que, no campo da produção acadêmica, afeta a trajetória de intelectuais negros brasileiros em suas produções de conhecimento.

A formulação desse pensamento parte de Boaventura de Souza Santos (1999), que estuda o não reconhecimento das práticas sociais alternativas e como essa ação implica na deslegitimação dos grupos produtores de saberes não hegemônicos que procuram promovê-las.

De acordo com Santos (1999), o genocídio ocorrido na expansão da colonização europeia, não deixou de ser um epistemicídio, pois, “eliminaram-se povos estranhos porque tinham formas de conhecimento estranho e eliminaram-se formas de conhecimento estranho porque eram sustentadas por práticas sociais e povos estranhos”. (SANTOS, 1999, p. 283)

É desse modo, a partir da colonização que marca a forma de vida e de produzir conhecimento que o Brasil se estrutura, principalmente na disseminação das ideias através da igreja católica com a ordem dos jesuítas. Não diferente, se pensar a origem das ciências sociais e humanas que surgem, pois estão sempre tendo o ocidente como referência e horizonte.

Essa questão é também analisada por Sueli Carneiro (2005), que observa o epistemicídio no Brasil como o elemento estruturador das relações raciais, um instrumento operacional que mantém as hierarquias raciais através da educação, e que forma o discurso acadêmico hegemônico sob um saber ocidental.

 “Isso é claramente manifesto nas listas bibliográficas utilizadas onde, via de regra, figuram autores negros não-brasileiros, ou no fato de quão poucos intelectuais negros brasileiros alcançaram prestígio nacional e internacional”. (CARNEIRO, 2005, p. 60)

Carneiro (2005) aponta que mesmo quando um negro quebra as barreiras e alcança os domínios do saber ocidental, continua vítima do epistemicídio, por causa da redenção que sua aculturação se deu pela razão hegemônica e pelas ausências de outras formas de conhecimento que poderia ter obtido se não fosse o processo colonial.

É através do epistemicídio que com o negro ocorre uma perda de familiaridade e tornado um estranho para si mesmo. O negro é, desse ponto de vista, uma matéria energética em que Achille Mbembe (2018) observa quando: “A conjunção de um corpo propriamente seu e de uma cabeça que pertence a outro qualquer faz do sujeito o enunciador de uma fala da qual não tem o menor controle”. (MBEMBE, 2018, p. 245)

Por consequência, Fanon (2008) ressalta que: “Falar uma língua é assumir um mundo, uma cultura”. (FANON, 2008, p. 50)

A língua nesse sentido, funciona como porta de entrada aos valores do colonizador transmitidos através da cultura, logo, a partir do momento que o ocidente cria uma visão de mundo crítica e define seus paradigmas com relação a ciência, se elimina qualquer outra forma de realidade fora de seu eixo, pois a partir do sistema racional elaborado se define o que é a verdade.

Por fim, afirmar que o mundo é plural e militar por seu desenvolvimento, significa dizer que o ocidente não é o mundo, mas apenas uma parte dele”.

Referências bibliográficas

CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. Tese de doutorado apresentada no programa de Filosofia da Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

FANON, Frantz. Pele Negra Máscaras Brancas. Salvador: Editora da universidade Federal da Bahia, 2008.

MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. São Paulo: N-1 edições, 2ª ed., 2018.

SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. Porto: Edições Afrontamento, 7ª ed., 1999.

Edson Linhares da Silvante é docente de sociologia, licenciado em Ciências Sociais – FMU turma de 2019