Diversidade racial e de gênero nas redações: qual o efeito para o jornalismo?
Por Cláudia Nonato[1]
Não há pluralidade de pautas no jornalismo brasileiro. E essa afirmação não é novidade: a linha ideológica e editorial dos nossos grandes veículos não representa a diversidade política e cultural da população brasileira. Mas, diante de um cenário de mudanças extremas – que vão desde a afirmação estética negra como resistência política à emancipação de gêneros -, vivemos um momento de clara luta pela diversidade. Basta olhar as redes sociais e a mídia alternativa, que trazem diariamente uma enxurrada de denúncias, protestos, discussões e debates sobre o tema, ao mesmo tempo em que surge uma assustadora onda de moralismo na sociedade brasileira. Sendo assim, por quais motivos as pautas dos grandes veículos de comunicação hegemônicos continuam sendo sempre as mesmas, geralmente relacionadas à violência e/ou ao preconceito contra moradores periféricos, mulheres, negros e LGBTTTs[2]?
A nosso ver, a explicação é bastante simples. A diversidade não aparece nas pautas da grande mídia, porque não há diversidade nas nossas redações, que geralmente são formadas por pessoas brancas e de classe média. E também porque não havia, até bem pouco tempo, diversidade nas salas de aula das universidades brasileiras. É um ciclo, que felizmente começa a ser quebrado. Timidamente, porque em mais de dez anos de ações afirmativas no Brasil (políticas de cotas), e depois de formar aproximadamente 900 mil jovens negros ou pardos[3] nas universidades, quando se fala em jornalismo, esse número ainda é pequeno. Os negros e pardos representam menos de dez por cento dos profissionais das redações brasileiras; as mulheres são maioria entre os jornalistas, mas poucas estão em cargos de chefia e, em relação aos LGBTTTs, não há sequer estudos a respeito. O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo formou, em 2017, um grupo para discutir as questões desse grupo, que praticamente inexiste nas pesquisas acadêmicas.
A maioria dos dados partem de duas pesquisas feitas entre 2010 e 2013; uma realizada pelo Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho da ECA/USP, que mostrou o perfil dos jornalistas de São Paulo[4], e outra feita na Universidade Federal de Santa Catarina em convênio com a FENAJ[5], que traçou o perfil dos jornalistas brasileiros[6]. E, embora uma pesquisa tenha sido feita entre jornalistas de São Paulo, e outra com jornalistas de todo o Brasil, os resultados são convergentes, principalmente em relação aos resultados relacionados à etnia e gênero, apresentados no início do texto. Uma terceira pesquisa, feita pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA, do IESP-UERJ)[7], apresentou o perfil de gênero e cor/raça dos colunistas dos principais jornais impressos do país – O Globo, Folha de São Paulo e Estadão – e os resultados também não foram animadores. Os dados mostraram que nos três veículos, pouco mais de 70% das redações são formadas por homens; além disso, há menos de um por cento de negros[8]. No Estadão, 99% da redação é formada por brancos. Em relação às mulheres negras, a Folha de S. Paulo não possuía nenhuma colunista negra, enquanto essa categoria representa 4% no Globo e 1% no Estadão.
Diante desses dados, fica difícil haver diversidade racial nas pautas dos grandes veículos. Segundo Maria Aparecida da Silva Bento[9], coordenadora executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), “os profissionais que atuam em programas de implementação de diversidade em empresas e organizações afirmam que a dimensão racial é que mais suscita resistências, colocando-se como um obstáculo à diminuição da desigualdade existente nos quadros funcionais”. Para ela, esse cenário só será mudado a partir de reflexão e de adoção de medidas concretas, como o redimensionamento da ideia de meritocracia, utilizada como argumento para justificar o fim de medidas de promoção de igualdade de gênero e raça. “O cenário de exclusão e/ou sub-representação de negros e, principalmente de mulheres negras, em posições qualificadas, é incompatível com os esforços empreendidos no caminho de desenvolvimento do Brasil”, completa.
Olhando para o lado de quem recebe a informação, outra pesquisa, feita pelo site Vaidapé[10], analisou 204 programas de televisão brasileiros, e concluiu que apenas 3,7% dos 272 apresentadores são negros. Ou melhor, se um dia de programação fosse composto por programas com apresentação, os negros ficariam apenas seis minutos no ar. E tem mais: desse percentual, 80% dos negros estão em programas de entretenimento e 20% em programas religiosos. Não há apresentadores negros no jornalismo, ou em programas educativos e infantis. Os jornalistas Maria Júlia Coutinho e Abel Neto, entre muitos outros, estarão nesse grupo quando sentados na bancada do “Jornal Nacional”, fato que ainda não aconteceu. Diante dessa falta de visibilidade naquele que é o maior meio de comunicação do país, e por onde as pessoas se informam e se inspiram, como é possível se sentir representado (a)?
A diversidade está presente nos programas de entretenimento, mas não no jornalismo que, por enquanto, ainda privilegia negros, mulheres e LBGTTTs de maneira bastante estereotipada, a partir de crimes de violência, racismo e homofobia, e de datas comemorativas, como o dia da mulher, da libertação dos escravos, do orgulho gay ou da consciência negra, entre outros. Por outro lado, o acesso às tecnologias e redes sociais – embora ainda haja muita desigualdade digital no país – possibilita a criação e avanço de pequenos veículos, que buscam levar os seus discursos e a sua crítica a um número cada vez maior de pessoas. São veículos alternativos e/ou independentes, que tentam conquistar o seu espaço e aumentar a pluralidade de vozes nos meios de comunicação. É um movimento ainda inicial, que deve e merece ser acompanhado por todos nós.
[1]Jornalista, doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, professora da graduação e do Mestrado Profissional em Jornalismo do FIAM-FAAM Centro Universitário e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT-ECA/USP).
[2] Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgênero.
[3] Segundo dados do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa da UERJ (GEMAA) e do Programa Universidade Para Todos (PROUNI) do Ministério da Educação.
[4] “O perfil dos jornalistas e os discursos sobre o jornalismo. Um estudo das mudanças no mundo do trabalho dos jornalistas de São Paulo”. Disponível em http://www2.eca.usp.br/comunicacaoetrabalho/wp/index.php/pesquisas/2009-2012/. Acesso em 02 de out. 2017.
[5] Federação Nacional de Jornalistas
[6] “Quem é o jornalista brasileiro? Perfil da profissão no país”. Disponível em http://perfildojornalista.ufsc.br/files/2013/04/Perfil-do-jornalista-brasileiro-Sintese.pdf Acesso em 02 de out. 2017.
[7] “Jornalismo brasileiro: gênero e cor/raça dos colunistas dos principais jornais do país”. Disponível em http://gemaa.iesp.uerj.br/infografico/jornalismo-brasileiro-genero-cor-raca-dos-colunistas-dos-principais-jornais/ Acesso em 20 de out. 2017
[8] A pesquisa considerou como negros a somatória de pessoas negras e pardas.
[9] BENTO, M.A.S.; CARRANÇA, F. (Org.). Diversidade nas empresas & equidade racial. São Paulo : CEERT, 2017.
[10] A cor dos apresentadores de TV no Brasil. Disponível em http://vaidape.com.br/2017/06/pesquisa-apresentadores-negros-na-televisao/ Acesso em 02 de out. 2017.