Um grupo para chamar de meu

Comemorar 1 ano do primeiro núcleo negro do FIAM-FAAM é celebrar o debate sobre raça, gênero, preconceito e discriminação, e quem ganha é sociedade 

O Núcleo de Estudos Étnicos-Raciais (Nera) do FIAMFAAM – Centro Universitário completa um ano. E, como canta Martinho da Vila, “devagar, devagarinho a gente chega lá”. Chegamos. E motivos para comemorar não faltam. Criado para desenvolver trabalhos de pesquisa e ensino, relacionados com a missão da universidade e com o disposto no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, o núcleo ganhou força e já é referência dentro e fora da instituição.

Estudiosa do tema, a idealizadora do projeto e professora doutora do curso de Jornalismo do FIAM-FAAM, Maria Lucia Silva conta que em sua tese de doutorado escreveu sobre a importância dos núcleos que atuam com a temática racial na implementação da Legislação 10.639/03 e da 11.645/08, que obrigam as instituições de ensino, em todos dos níveis, a desenvolverem em seus currículos disciplinas que abordem a história e cultura afro-brasileira, e determina a inclusão no calendário escolar do dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra.

“Em conversa com a coordenação da instituição, eles me convidaram a desenhar um núcleo para o curso de comunicação. Dias depois apresentei um projeto básico aos professores negros do curso e começamos a desenhar o projeto”, lembra Maria Lucia, que para receber orientações e trocar ideias sobre a implantação do núcleo, convidou o professor chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e membro do Neinb (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro da USP), Dennis de Oliveira, para falar sobre a proposta e, também, contar a experiência com o Neinb.

Um mês depois, em 18 Maio de 2016, o Nera nascia. E nascia grande. Com palestra do professor doutor da ECA/USP Ricardo Alexino, artistas declamando poesia, exposição de roupas e tecidos africanos, intervenção de dança e oficina de cabelo e maquiagem.  “Para a instituição como um todo esse debate sobre raça e gênero é importante porque o mundo do trabalho se constituiu com bases racistas e misóginas e hoje o cenário é outro, e tem de reverter esse processo. Nesse sentido, nossos alunos que tiverem a experiência com esse debate poderão errar menos, ter outra postura diante de uma situação de preconceito e discriminação”, acredita a professora.

Além do professor Dennis, “padrinho do Nera”, Maria Lucia trouxe outras referências para desenhar a proposta do núcleo, como o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Espírito Santo (NEAB/UFES), que atua com formação de professor e  propõe ações com os alunos cotistas, além do Grupo de Pesquisa  Relações Raciais: Memória, identidade e imaginário, coordenado pela professora Teresinha Bernardo, o Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (CEAO/UFBA), e de materiais produzidos pelo grupos de pesquisa do professor Muniz Sodré da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Suporte para ampliar o debate

Maria Lucia lembra que a relação entre educação e diversidade é recente e as políticas públicas de superação das desigualdades educacionais têm menos de 20 anos. Para ela, a experiência de debater o racismo é muito nova para todos nós, até porque muitos ainda não se descobriram negro. “Mas quando nos referimos a construção de identidade do Nera, temos buscado no cinema, no grafite, na capoeira, na música, na dança e nas palestras o suporte para debater a cultura negra e a perversidade produzida pelo racismo”, salienta.

Para o professor Dennis, os núcleos de estudo devem responder uma importante demanda, que é a produção do conhecimento acadêmico no campo das relações étnico-raciais. E essa é a trilha a seguir. “É um dos caminhos sim [dos núcleos], embora considere que esta agenda transcenda os núcleos internos da universidade e também estejam no movimento negro que lutou arduamente para as ações afirmativas no ensino superior.”

Consolidar esses espaços de discussão e reflexão sobre esta temática para que não se transformem em guetos é um dos maiores desafios. Por isso, Dennis acredita que a agenda antirracista e da diversidade deve contaminar os projetos políticos pedagógicos das instituições de ensino para que estejam preocupados em formar pessoas com uma consciência multiétnica da sociedade. “Os núcleos devem articular-se com os movimentos sociais internos e externos da universidade denunciando as eventuais práticas racistas e exigindo das direções das instituições mecanismos eficazes de combate a isto.”

Para se fortalecer e seguir discutindo raça e preconceito no ambiente acadêmico, com o objetivo de que esses assuntos extrapolem para a sociedade, o Nera busca referências para se consolidar. A principal delas é o professor doutor Juarez Tadeu de Paula Xavier, assessor da Pró Reitoria de Extensão da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e coordenador do Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão (Nupe). O grupo que existe desde o final dos anos 90, passou a ter existência efetiva e forma no começo dos anos 2000 e atualmente atua nos 34 câmpus da universidade, em 24 cidades, com 8 núcleos constituídos. Além disso, o professor é um exemplo na luta pelas questões raciais e, mesmo sofrendo ofensas racistas em 2015 não se deixou abater.

“Entre os anos de 2010 e 2013, o Nupe teve seus trabalhos interrompidos, que foram retomados em 2014, na esteira das manifestações racistas registradas no Unesp/Bauru. A partir deste ano, o Núcleo Negro Unesp para a Pesquisa e Extensão deverá ter mais foco na pesquisa, e estimulará ações extensionistas para as relações étnico-raciais no diálogo sociedade-universidade”, explica o professor Juarez.

Na sua opinião, núcleos como o Nupe, Neimb, Nera e tantos outros devem ser o caminho para discutir esse tema dentro da comunidade acadêmica. “Eles têm legitimidade, consistência, dados, informações, conhecimento e produção para essa função. Racismo é um campo que deve ser estudado com afinco, e esses núcleos fazem isso, para além da ignorância dos não estudiosos. Ignorância não é argumento, em todas as questões, em especial na questão racial no Brasil.”

O professor da Unesp conta que nos anos de 1978 a 2008 os projetos do Nupe foram ricos em iniciativas do movimento negro, em todas as áreas, inclusive na universidade. Ele relembra que em 1978, o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial foi lançado, inaugurando o discurso moderno da luta contra o racismo. Em 1988, o movimento negro emplaca a criminalização do racismo na constituinte. Em 1995, ao final da marcha zumbi dos palmares a Brasília é criado o Grupo de Trabalho Interministerial e o governo reconhece o estado como responsável pelo racismo, e iniciam-se as ações de participação do Brasil na Conferência Mundial de Durban, na África do Sul, em 2001. “É nesse contexto que surge o Nupe – referência a uma das inúmeras culturas negras africanas -, como espaço de estímulo, articulação e produção de conhecimento, e a Revista Ethnos Brasil, que tinha no conselho editorial científico os professores Milton Santos e Kabengela Munanga e a professora Josildeth Consorte”, esclarece.

Ultrapassando obstáculos

Para o professor Dennis, o maior desafio dos núcleos é romper as barreiras racistas que existem na academia. Uma delas é o eurocentrismo que desconsidera todo o universo de conhecimento construído fora do eixo da Europa e que ajuda a fortalecer uma imagem estigmatizada da África e América Latina como regiões atrasadas e que em nada contribuíram para a conhecimento humano.

Ele aponta também para a elaboração coletiva de conhecimento profundo e radical (no sentido de pegar pela raiz, pelos fundamentos) das singularidades das relações étnico-raciais no Brasil e como elas impactam os diversos setores do saber, no campo das ciências humanas, tecnológicas, da saúde. “O terceiro é colaborar para a formação e protagonismo de intelectuais negras e negros para que os mesmos tenham visibilidade no espaço acadêmico e tenham autoridade de fala nos mais diversos setores do conhecimento. E, finalmente, consolidar no espaço acadêmico esta temática – a das relações étnico-raciais -, como campo de estudos e do conhecimento”, complementa.

Diante de tantos desafios, as discussões sobre cotas raciais ganham lugar de destaque nessa conversa. Este ano, Dennis foi um dos professores que encabeçaram a lista do abaixo-assinado exigindo que as cotas na USP fossem raciais e não somente para as escolas públicas. Ele conta que o Neinb tem atuado na defesa das cotas raciais desde que esta discussão se iniciou, mais recentemente nos anos 2000, fazendo seminários e discussões com professores e alunos, trazendo experiências sobre instituições que têm cotas raciais, atuando para desmentir certos mitos como que os alunos cotistas não conseguiriam acompanhar o ensino destas instituições, etc.

No entanto, ele destaca que o papel fundamental na conquista das cotas foi dos coletivos de alunos e alunas negros e negras da universidade, do movimento negro, entre outros. “No abaixo-assinado, vários docentes de outras instituições apoiaram esta bandeira.”

Futuro de muita luz

As histórias de luta e resistência de grupos de estudo, de alunos, professores e também uso da arte por meio da música, dança, além do esporte impulsionam o Nera seguir adiante.  A professora Maria Lucia ressalta que o Núcleo está caminhando para criar uma identidade que tenha a comunicação social como referência, a democratização dos meios de comunicação e a representatividade dos negros nos produtos e nas empresas de comunicação como desafios.  “Aqui na instituição estamos caminhando bem, com condições de ampliar esse debate para todo o Complexo Educacional FMU|FIAM-FAAM.” 

Em um ano de atividades, o Nera já encontra um espaço amplo para discutir raça do ponto de vista do jornalismo, da publicidade e propaganda, a partir de oficinas de capoeira e grafite, de rodas de conversa sobre racismo, preconceito, mercado de trabalho, questões indígenas e de gênero, exposições de tecidos, bijuterias e artesanatos, até seções de cinema, programas de rádio e TV.

De acordo com Maria Lucia, para o próximo ano o Nera quer tem mais alunos envolvidos com o núcleo propondo ações, mais trabalhos de iniciação científica e de conclusão de curso com a temática racial e de gênero, a continuidade da revista Dumela, programas para a rádio e tv, mostra de cinema negro, além da inclusão de disciplinas nos currículos dos diversos cursos e uma formação para professores com a temática de gênero e raça.  “O desafio da promoção igualdade racial e de gênero, na escola, é contar com professores que não tenham medo de debater esses temas e que adotem a diversidade”, acredita Maria Lucia.

 


Discriminação e desigualdade deve ser na perspectiva de produção do conhecimento

O chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) e professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) Dennis de Oliveira, entende que a abordagem para discutir racismo, discriminação e desigualdade deve ser na perspectiva de produção do conhecimento, “no sentido de contaminar o ambiente acadêmico da reflexão com a temática dos estudos étnico-raciais.” Para ele, três pontos são fundamentais para essa reflexão:

1) A implantação da Lei 10.639/03 e 11.645/08 que torna obrigatório o ensino de história da África, cultura afro-brasileira e indígena em todo o sistema educacional. Estes conteúdos são transversais e, para tanto, no ensino superior, esta transversalidade é garantida pela existência de espaços de reflexão e produção de conhecimento nesta temática como são os núcleos;

2) A visibilidade da agenda da diversidade (de gênero, étnico-racial, cultural, entre outras);

3) A presença maior de jovens negras e negros no ensino superior por conta das ações afirmativas. O Brasil passa por um processo – com muito atraso -, de reconhecimento da diversidade étnico-racial e da existência de mecanismos de opressão racial e não entender isto é não conhecer o país. Por isto, a existência de núcleos como este são fundamentais tanto para garantir que os direitos de reconhecimento destes segmentos sejam garantidos como também a própria qualidade de ensino também. Recentemente, um dos dirigentes da Universidade Harvard afirmou que é positivo uma instituição de excelência ter a diversidade na composição dos seus alunos, pois uma instituição que se propõe a formar lideranças só o fará com qualidade se este processo formativo for realizado em um ambiente de diversidade.

 


“No Brasil, a pesquisa sobre as relações étnico-racial tem cor, gênero e classe social”

Professor doutor, assessor de pró-reitoria e extensão e coordenador do Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão, Juarez Tadeu de Paula Xavier, fala sobre a importância de discutir temas raciais nas instituições de ensino

Em sua opinião, o quanto é importante ter um núcleo nas instituições de ensino para discutir racismo, discriminação, desigualdade? Para o senhor, como deve ser essa abordagem? 

Fundamental. Ele é o contraponto na formulação da narrativa contra o genocídio, etnocídio e epistemicídio negro no Brasil, com suas pesquisas – graduação e pós- graduação -, e produção de conhecimento.

O senhor foi vítima de racismo (em 1995 escreveram no banheiro masculino da Unesp/Bauru frases: “Unesp cheia de macacos fedidos”, “Juarez macaco”). A diversidade dentro das universidades incomoda?

Sim, e muito. Ela questiona a concentração dos capitais econômico, político, cultural e social nas mãos de uma minoria branca, urbana, patrimonialista e proto-fascista. A universidade foi criada para isso, no Brasil, e suas bases estão sendo questionadas pelas (os) pesquisadoras (res) negros no ensino superior. É uma disputa de narrativa: necronarrativa racista versus bionarrativa emancipatória.

Para o senhor, quais são os maiores desafios dos núcleos que discutem a temática étnico-racial nas instituições de ensino?

O mais importante é a não institucionalização desses grupos. Ela é fundamental! A alta gestão deve reconhecer os núcleos como espaços de formulação política das questões raciais, para a sociedade e para a instituição. Creio que isso é decisivo.

Quais foram as maiores conquistas do Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão (Nupe)?

Ser fundado e resistir esses anos todos, e ter pautado na universidade a importância da questão racial, já que a Unesp foi a primeira universidade pública estadual em São Paulo a adotar as cotas e a aprovar comissão de verificação da autodeclaração para pretos e pardos. Este ano, a instituição começou o projeto institucional “Educando para a diversidade”, como parte de uma ampla proposta formulada pelo Nupe.

Como se dá a conversa com outros núcleos de outras instituições?

Em espaços formais – encontros de pesquisadores que se articulam, por exemplo, na Associação Brasileira de Pesquisadoras e Pesquisadores Negros -, e em espaços de informações, nas rodas de conversas e produção de conhecimento das relações institucionais entre os grupos de pesquisa e interpessoais das/dos pesquisadoras (res) sobre a temática.

 Como se posicionar, de maneira social e política, para defender os direitos e combater o preconceito, a intolerância? 

Organização, denúncia, articulação e produção de conhecimento, sem a ilusão da neutralidade axiológica da produção de conhecimento. No Brasil, a pesquisa sobre as relações étnico-racial tem cor, gênero e classe social.

 


SOU DO NERA”  

 “Eu sou uma das fundadoras do Nera. Estou desde o início, por conta de uma situação de racismo que passei e na qual os colegas do Núcleo me apoiaram. Na minha opinião, o Núcleo é importante para trazer para o ambiente escolar/universitário discussões que normalmente não são abordadas em outros locais. Tais discussões são importantes para estudantes e professores refletirem, a partir de um melhor entendimento de como são ensinadas, aprendidas e identificadas a nossa cultura e história no cotidiano. A instituição só tem a ganhar com essa iniciativa.”

Cláudia Nonato, jornalista, professora doutora do curso de jornalismo e do Mestrado profissional em Jornalismo do FIAM-FAAM.

“Acredito que o núcleo levanta questões importantes sobre a nossa história, a história do Brasil, a evolução da nossa formação como povo e as desigualdades que foram criadas a partir de uma sociedade baseada no latifúndio, num analfabetismo e também, e principalmente, na escravidão que só termina em 1888. Acredito que professores, alunos e instituições precisam levantar questões relevantes para reaver um pouco essa história do nosso País – que fica escondida ou ficou por muito tempo -, importante para diminuir preconceito, o racismo, as desigualdades econômicas, sociais e a valorização das minorias. Portanto, o Nera significa não somente aumentar a autoestima da população, do entorno, da comunidade acadêmica, mas também criar um papel cidadão, de completar e estimular essa cidadania não só dos direitos políticos, sociais, mas os direitos civis que também é importante. Estou no núcleo desde o início, fui convidado pela instituição e pela Maria Lucia e a decisão de ser membro do Nera foi justamente porque os temas discutidos atravessam a minha área das ciências sociais, da antropologia, da antropologia urbana, da sociologia e da política. É um tema tanto na formação dos negros, indígenas e portugueses e na relação da formação do povo, da mestiçagem, que toca não somente meus interesses acadêmicos, mas também pessoais, por ser fruto dessa miscigenação também.” 

Claudio Sá, sociólogo, professor mestre do curso de Jornalismo do FIAM-FAAM.

“Eu acho que a criação do Nera é de uma importância gigantesca em vários aspectos. Eu trabalhei sete anos em outra instituição e lá não havia essa preocupação, essa conscientização, mesmo tendo um número de alunos negros e de classe social desfavorecida bem grande. Então acho que só o fato do Nera existir é de grande valia e mostra o quanto a instituição é consciente em relação à essas questões. O processo de conscientização diário com alunos e professores proposto pelo núcleo através das diversas atividades evita as repetições dos comportamentos inadequados com o outro. Nesse um ano eu, particularmente, tenho aprendido muito, muito mesmo. Cada vez mais tenho me colocado no lugar do outro, reflito sobre as exclusões e, principalmente, transmito esse aprendizado aos alunos.”

Carla Tôzo, jornalista, professora mestre no curso de Jornalismo do FIAM-FAAM.

 “É fundamental que tenhamos um espaço de discussão sobre as questões étnico-raciais na faculdade! Antes do Nera existir eu já identificava alunos e alunas que traziam um forte engajamento quanto a sua posição cultural e racial. Agora, vejo que temos um espaço de acolhimento, no qual monografias, trabalhos acadêmicos e diálogos podem ser recebidos com propriedade. É uma demanda não só do curso e da instituição, mas da comunidade acadêmica. A geração de nossos alunos já vem com essas questões incorporadas em seu cotidiano. Além disso, há uma questão política, que é o que Muniz Sodré dizia ser a necessidade de “colorir a universidade”, que inclui não só a presença, mas o diálogo. Estou no Nera acho que desde o nascimento. Colaboro especialmente com os eventos e debates na faculdade. Especificamente, minha tese de Doutorado tratou do carimbó da Ilha de Marajó, no Pará, com forte inflexão sobre a cultura mítico-religiosa e sobre as formas cancionistas africanas e indígenas. Já orientei a monografia da aluna Carmen Barbosa Santos (Publicidade e Propaganda, 2016) sobre a revista Raça Brasil, que foi esculpida em total interação com o Nera. Mas além disso, me sinto identificado e contemplado pelas preocupações do Núcleo, uma vez que trago na minha personalidade e no meu trabalho acadêmico minhas raízes do norte da África como bisneto de marroquinos que sou e originário da Amazônia brasileira. As questões político-culturais sobre etnia e raça me tocam diretamente.  Eu sigo vinculado ao Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária, da ECO/UFRJ, onde fiz Mestrado e Doutorado e lá discutimos as políticas de minorias, e um de nossos mestres, Muniz Sodré, tem uma larga obra sobre o negro no Brasil. Durante minhas pós-graduações também colaborei no Núcleo de Estudos das Performances Afro-ameríndias da Unirio (NEPAA), coordenado pelo professor Zeca Ligiero. Com o NEPAA ajudei a produzir o documentário “Muiraquitã” (2010) sobre a cultura da encantaria na Ilha de Marajó (PA).”

Marcelo Gabbay, professor doutor do curso de Publicidade e Propaganda do FIAM-FAAM.

“Vivemos em uma sociedade plural, somos frutos de uma miscigenação e ainda assim não sabemos lidar com toda essa diversidade. Considero o Nera importante pelo fato de que o racismo não é um problema de pessoas negras, ele é elemento da sociedade, por isso o debate deve envolver alunos, professores e demais funcionários.  Dentro da academia, o núcleo é um bom espaço para falar, ouvir, aprender, desconstruir e reconstruir a fim de que respeitemos as diferenças e tenhamos uma boa convivência. Eu não falava sobre questões raciais e, por muito tempo, me neguei a ler a respeito. Mas no primeiro ano de faculdade, em conversa com colegas, passei a me questionar do motivo para esse desinteresse e entendi que essa postura era como um mecanismo de defesa. Meu pensamento era: quanto menos eu procurar saber, quanto menos eu falar, menos isso irá me machucar. Refleti que isso deveria mudar e contei com a ajuda de Andréia Pereira, minha amiga e de Cláudia Nonato (professora do curso de Jornalismo do FIAMFAAM). Respeitando meu tempo, pois é um processo, elas me indicaram leituras e, no segundo ano de curso, Cláudia comentou sobre o Nera. Fui a uma oficina, me interessei e o encantamento foi à primeira vista, então decidi ser monitora no núcleo. Fiquei por um ano na condição de monitora; Participava dos eventos, ajudava na divulgação e cobertura. Fui tão bem recebida e acolhida por Maria Lúcia que não consegui me distanciar mesmo com a mudança na rotina e correria do dia-a-dia.”

Caroline de Jesus, aluno do 6º semestre de Jornalismo e monitora do Nera

“No meu entendimento acho importante a universidade ter um Núcleo voltado para as questões étnico-raciais para que professores, alunos e a própria instituição possam debater sobre racismo, preconceito, feminicídio e tantos outros temas. Assim podemos – através da discussão e reflexão – desconstruir pensamentos conservadores e preconceituosos. Estou no Nera há um ano e decidi participar porque partilho desse mesmo pensamento de que é preciso discutir e promover ações que informem o negro e a sociedade que existe desigualdade e que precisamos dialogar a respeito. Eu também faço parte da Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen) e de outros movimentos que atuam nesse contexto participando de reuniões, oficinas e atos que visem a promoção da igualdade racial.”

José França, aluno do 7º semestre de Jornalismo e monitor do Nera

 “Eu acho que o núcleo é um fomentador de problemas e para mim problemas não é uma coisa ruim. Ele fomenta a problematização desses temas que estão no nosso dia a dia e extrapola o seu papel entrando em sala de aula, trazendo, inclusive, para nós na gestão uma série de desafios. Tratar das temáticas étnicos-raciais, de gênero, que precisa ser debatido e construído dentro de um núcleo também dá a devida importância para essas temáticas. O Nera estar vinculado à escola de comunicação também faz todo sentido para mim, pois é justamente onde devemos ter a formação de profissionais mais críticos, que vai jogar essas reflexões para as outras áreas, porque todos os nosso estudantes precisam debater, conhecer, se posicionar. Agora o desejo é que o Nera consiga transpor os muros da FIAM e avance, apoie as outras instituições do grupo Laureate para que essas discussões que são necessárias venham à tona. É papel da educação superior fazer isso, de trazer esses debates; isso ajuda na mudança de mentalidade” 

Sara Pedrini Martins, Reitora

 “O Nera trata de um tema transversal que é importante e existe uma legislação que obriga as instituições a tratar dessa temática, mas é importante ressaltar que nos não nos apegamos em nenhum momento à obrigação. Não olhamos para a legislação, eu preciso atendê-la, daí se tivéssemos pensado dessa forma, talvez estivesse fragmentado cada curso trabalhando um pouco para dizer ‘estou fazendo’ dentro de uma disciplina. Então o Nera estar dentro da escola de comunicação propicia essa desfragmentação, a gente consegue olhar para o todo e faz com que toda comunidade se envolva. Por isso a ideia de trazê-lo também para a FMU; isso enriqueceu os cursos, elevou o nível das discussões e fez com que nós pensássemos em tantas questões que até então não havíamos pensado. Com o Nera a gente passa a ter outros olhos para essas questões importantes da valorização da pessoa humana”.

Simone Maria Spinosa, diretora da Escola de Comunicação, Artes e Design