Quilombos do passado e do presente: como o povo negro luta e garante respeito a sua existência?

O quinto encontro on-line da Sala de Leitura Beatriz Nascimento ocorreu no dia último dia 15 de maio e abordou a definição de quilombo por parte da historiadora, incluindo o paralelo entre África e Brasil

Por Arthur Vieira Beserra*

            A historiadora Beatriz Nascimento teve como um de seus principais objetos de estudo a vida nos quilombos. Com a realização de trabalhos de campo em Angola, traçou paralelos entre eles no continente africano e em terras brasileiras. O penúltimo encontro da série de eventos em sua homenagem procurou caminhar neste sentido, traçando a correlação entre o quilombo do século XVI e o quilombo presente na sociedade atual e cada vez mais presente no mundo urbano e digital.

            Sob mediação da professora Maria Lucia da Silva, coordenadora do Núcleo de Estudos Étnico-Raciais (NERA) do FIAM FAAM – Centro Universitário, a mesa contou com a presença de Neide Cristina Silva, mestre e doutora em Educação e integrante do grupo de pesquisa Ylê-educare; Mônica Luz, pedagoga e doutora em Educação e docente na Unib; e Flávia Abud Luz – doutoranda em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC e membro dos grupos de pesquisa Resistências – Controle Social, Memória e Interseccionalidades da UFABC.

            As três palestrantes trabalharam de forma integrada em suas apresentações. Mônica fez a abertura com um breve resumo da vida e obra de Beatriz, o que ajudou a situar a nova audiência do evento a compreender a importância da homenageada para o povo negro brasileiro, além de ajudar a ligar pontos apresentados durante os eventos anteriores. Na sequência, Flávia trouxe para o debate a questão envolvida na definição de quilombo que, segundo Beatriz, vai muito além da simples delimitação de um território.

            Utilizando um trecho do documentário “O Negro da Senzala ao Soul” (1977), Flavia mostra passagens de uma entrevista com a historiadora. Beatriz afirma que a historiografia brasileira seguiu durante mais de 100 anos focando basicamente na escravidão, deixando de lado outras formas da vida negra, como sua forma de organização como sociedade e principalmente sobre a vida nos quilombos. Como parte de seu estudo na África, mostra que há semelhanças nos quilombos africanos e brasileiros, seja na organização da hierarquia, nos costumes e até nas vestimentas e símbolos adotados.

Flávia Abud Luz, doutoranda em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC membro dos grupos de pesquisa Resistências – Controle Social, Memória e Interseccionalidades da-UFABC.

            A ideia de quilombo, no entanto, vai além e envolve a construção, defesa e promoção do modo de vida deste povo contra a imposição de modelos de vida definidos pelas estruturas dominantes. Isso ocorria tanto na época do período colonial-imperial, quando, segundo o primeiro registro oficial sobre a existência dos quilombos eles eram considerados grupos de fugitivos que poderia colocar em risco a estabilidade do estado, quanto hoje onde decisões econômicas e acadêmicas ainda relegam o povo negro ao segundo plano.

Espaço democrático

            Nas exposições de Flávia e Neide fica claro que Beatriz enxergava e colocava em seus textos um ponto que normalmente passa despercebido por muitos: o quilombo não é um refúgio ou domínio exclusivamente negro, mas sim um espaço democrático aberto para todos aqueles que lutam pelo direito de ser quem são, de viver sua história e cultura. Neide cita, inclusive, uma pesquisa que relata que judeus e muçulmanos que fugiram de perseguições na Europa chegaram a viver em quilombos. Segundo a escritora Neila Gonzalez, o quilombo dos Palmares é considerado até hoje a primeira nação democrática das Américas após a invasão europeia.

Neide Cristina Silva, mestre e doutora em Educação e integrante do grupo de pesquisa Ylê-educare

            Esta luta contra o processo de etnocentrismo continua até hoje nas favelas espalhadas pelo Brasil, nas periferias das grandes metrópoles, mas também em lugares onde quem está de fora não imagina que exista: a academia.

            Tanto as palestrantes quanto as alunas participantes do evento contaram experiências que evidenciam uma resistência por parte da hierarquia existente nos cursos de ensino superior à produção de autores negros, dando preferência aos mais tradicionais, em grande maioria, brancos. E isso é reflexo da lenta evolução da aceitação da existência negra pelos grupos dominantes no Brasil, haja vista que embora nomes como Beatriz já escrevessem sobre o assunto em 1985, só em 1995 o racismo foi considerado crime, e em 2001 foi definido o 20 de novembro como Dia da Consciência Negra – data sugerida pelo poeta Oliveira Silveira, em 1974. Cabe lembrar ainda que, vinte anos depois da criação da data, ela segue como facultativa, dependendo da decisão de cada cidade considerá-la ou não um feriado.

Resisitência

            Outro indicativo desta resistência é demonstrada quando se mostra que a lei 10.639/2003, que versa sobre o ensino da cultura africana, até hoje não é aplicada em sua totalidade, pois em muitas escolas parte dos professores ainda resiste a aplicação destes conteúdos sob alegação de falta de referências ou que o assunto não reflete a vida real dos alunos e isso provocaria desinteresse. Somente com o trabalho organizado de outros professores e alunos que, aos poucos, esse modelo tradicional e eurocentrista de ensino vem sendo combatido.

Mônica Luz, pedagoga e doutora em Educação e docente na Unib

            Esse trabalho organizado também segue sendo feito nos chamados quilombos modernos: presentes nos centros urbanos e no mundo virtual, unem as pessoas em volta da discussão de estratégias de emancipação do povo negro. Neide Cristina cita como urbanos os quilombos “Aparelha Luzia” e a escola de samba “Vai-Vai”, e os virtuais “Ponte para Pretx”, “Indique uma Preta” e “Intelectuais Negras: escrita de si mesma”. Já a professora Maria Lucia indica o trabalho de Guilherme Soares, que promove passeios sobre a Cartografia Negra de São Paulo, visitando locais históricos da vida negra na capital e que têm sido constantemente apagados da memória ao longo do tempo.

            Um balanço da série de eventos Sala de Leitura Beatriz Nascimento será realizado no dia 22 de maio com as presenças das pesquisadoras Tarsila Flores, Ericka Teixeira e Maria Lucia da Silva.

Serviço:

QUILOMBOS URBANOS

Aparelha Luzia:https://www.instagram.com/aparelhaluzia/
Rua Apa, 78 – Campos Elíseos, São Paulo – SP, 01201-030

Vai-Vai:https://www.vaivai.com.br/
R. São Vicente, 200-270 – Bela Vista, São Paulo – SP, 04002-010

QUILOMBOS VIRTUAIS

A Ponte para Pretx:https://www.facebook.com/aponteparapretxs/

Indique uma Preta:https://www.facebook.com/indiqueumapreta/

Intelectuais Negras: Escrita de Si Mesma:https://www.facebook.com/intelectuaisnegrasufrj

PASSEIOS

Cartografia Negra em São: Paulo:https://www.facebook.com/cartografianegra/

VÍDEO

Documentário “O Negro da Senzala ao Soul” 1977 – TV Cultura: https://www.dailymotion.com/video/x43qfe2

*Aluno do 6º semestre do curso de Jornalismo.