Pintando o arco-íris

Como em meio a pandemia, o Trabalho de Conclusão de Curso sobre racismo na comunidade LGBT ganhou forma

Guilherme Fernandes*

Nos versos do single “O Tempo”, lançado em junho de 2019, a banda de reggae paulistana Maneva canta que “é muito bom você poder olhar para trás e ver uma bela história que deixou”, e é a melhor forma de descrever o resultado do meu Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “O Lado Esquecido do Arco-íris: Racismo na Comunidade LGBT”, orientado pela professora Carla Tôzo e entregue no primeiro semestre de 2020.

A ideia de fazer um trabalho com esse tema veio no sétimo semestre, uma semana antes da entrega oficial do tema e escolha dos orientadores. Até então eu era parte de um grupo com outros cinco amigos; Alan Nascimento, Beatriz Chaves, Kawan Lopes, Monique Britto e Paula Peixoto e tínhamos pensado em uma série de temas, tais como a reinserção de ex presidiários no mercado de trabalho, a aposentadoria com a reforma da previdência, mães solo e vários outros sem chegar a um veredito. Nesse meio tempo eu pensava muito em falar sobre racismo e a comunidade LGBT, tendo em vista que são duas comunidades que faço parte, portanto, teria uma identificação pessoal com o tema, então com a saída de Beatriz, que queria falar sobre o nordeste, eu também decidi sair do grupo e seguir a ideia que tinha surgido.

Com a aprovação do tema e o apoio da professora Carla, já no sétimo semestre eu idealizei tudo: como seria a capa, quantos entrevistados, a identidade visual e um ensaio fotográfico para os participantes. Eis que em março de 2020 tudo mudou.

Inicialmente eu tinha alguns entrevistados que haviam topado participar do projeto. Como eu queria que a estética do livro seguisse as cores da bandeira LGBT, a proposta original era que eu visitasse cada um deles em suas casas para a entrevista, e com um amigo fotógrafo fazer um pequeno ensaio de cada um, com sua respectiva cor. Com a pandemia, muitos desistiram de participar, fosse por medo do vírus, frustração por ter perdido emprego, ou algum outro projeto pessoal em decorrência da pandemia, isso quando não todos de uma vez.

Isso mexeu muito comigo, que além de perder a parte da questão artística do projeto, tive que repensar os personagens. A professora Carla, rainha que é, me indicou Emerson Alves, um de seus alunos para participar e logo que entrei em contato ele topou de imediato contar sua história sobre ser um rapaz negro, gay e acima do peso.

A segunda entrevistada foi Heloísa Rodrigues. Minha amiga desde o ensino médio, quando passamos juntos pelo processo de descobrir, aceitar e assumir nossas sexualidades, já havia topado desde o começo, porém tivemos um pequeno problema com as nossas agendas, ainda mais com a pandemia.

As entrevistas foram todas online, via whatsapp por vídeo chamado no caso de Heloísa, e por áudios no caso de Emerson. Mais uma vez fiquei ligeiramente frustrado, porque senti que a experiência de ir a campo e entrevistar os participantes foi “roubada” de mim pela pandemia, mas com o tempo percebi que era justamente esse contexto que ajudaria o trabalho a ficar ainda mais único.

A essa altura, com duas das quatro entrevistas concluídas, eu queria uma pessoa trans para abordar as questões do “T” da comunidade, mas muites não toparam participar, ou apenas me ignoraram. Existe atualmente uma questão entre as pessoas trans sobre a sensação de serem “exploradas” academicamente por pessoas cis, enquanto ainda têm dificuldade para entrar no ambiente universitário para realizar as próprias pesquisas acadêmicas.

Com isso, usei as redes sociais para buscar os outros dois entrevistados. Por meio de uma publicação em um grupo do Facebook, conheci Jefferson Andrade, um rapaz gay paraibano que atualmente faz mestrado em psicologia na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

E por fim um amigo me indicou a jovem lésbica Gabriela Nogueira via Instagram. Ela entrou de última hora por conta da desistência de outra pessoa, e sua entrevista rendeu o depoimento mais poderoso do projeto, no qual ela declara que chegou a se odiar por ser negra.

Não apenas o depoimento de Gabriela, mas todo o conjunto da obra me mostrou o quanto que o racismo afeta a vida de pessoas negras de maneira tão plural, na infância, na escola e nos relacionamentos interpessoais e ao mesmo tempo de forma tão singular, dependendo do contexto familiar e socioeconômico.

A experiência do TCC me fez perceber o quanto ainda preciso estudar e me educar sobre as questões de racismo e homofobia. Notei que há muitos aspectos que ainda podem ser estudados nessa temática, como a rejeição de pessoas LGBT negras no mercado de trabalho, algo citado por todos os entrevistados, que podem virar objetos de pesquisa em um eventual mestrado.

Fazer o projeto durante a pandemia e trabalhando com assessoria de imprensa em um órgão público foi muito desafiador. Sozinho, por vezes pensei em desistir do projeto e trancar o curso e por muitas noites achei que não iria conseguir. Pela minha própria teimosia “na força do ódio” continuei seguindo em frente. Apesar de que ajustes precisam ser feitos no livro para que eu possa dar continuidade a ele, eu definitivamente sinto um orgulho enorme do que fiz. E ainda devo um vinho para a minha orientadora, professora Carla!

*graduado em Jornalismo pelo Centro Universitário FMU|FIAM-FAAM no primeiro semestre de 2020.