NA TEIA: a história sufocada da Operação (T)arântula
Por: Mauro Victor – [email protected]
Colocar luz em um fato histórico ainda muito atual, mas muito pouco repercutido e resgatar a história para entender o presente. Esses foram os principais pontos de partidas para o processo de construção do livro-reportagem “NA TEIA: a história sufocada da Operação (T)arântula”, produto do Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo, orientado pela professora Ms. Edilaine Felix.
A partir de uma entrevista do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira, sobre o álbum ‘Tarântula’, onde elas explicavam o porquê do nome, comecei a buscar mais informações sobre a operação policial. Para quem não conhece, a Tarântula foi uma das várias operações higienistas do governo de São Paulo, essa em questão comandada pela polícia civil da cidade de São Paulo, que em 1987, prendia travestis e mulheres transexuais sob o argumento de conter a disseminação do vírus HIV/AIDS. Em poucos dias foram mais de trezentas pessoas presas e violentadas, segundo registros.
Com o tema definido comecei a levantar possíveis fontes, a estrutura do livro e dos capítulos, mas com a chegada da pandemia do COVID-19, tive que mudar os planos. A minha primeira entrevista foi com uma das sobreviventes do período da Operação, Neon Cunha, toda a história narrada por ela foi suficiente para que se tornasse a personagem principal do livro e para que o leitor pudesse acompanhar comigo, que os poucos registros que temos da Tarântula, são bem diferentes da realidade. Todos os acontecimentos e desafios de uma mulher transexual da época, muitos ainda enfrentados até hoje, são contados em primeira pessoa na visão da personagem.
Depois de resgatar a história da Tarântula, eu faço um paralelo com os dias atuais. 30 anos depois, diversas operações higienistas e extremamente violentas, que nunca cessaram, voltam a acentuar, principalmente contra a população travesti e transexual que vivem ou frequentam o centro da cidade de São Paulo.
Boa parte da produção do livro foi feita em quarentena, o que foi um dificultador durante todo o processo e tema de diversas orientações com a professora Edilaine, porque eu não conseguia entrevistar pessoalmente, o que já é uma grande dificuldade quando se fala de um tema denso como este. Também não conseguia acessar alguns lugares, já que todos estavam fechados, mas percebi que toda a situação poderia ser documentada. Se eu estava falando de um fato histórico e que envolvia a chegada de um novo vírus ao Brasil, na década de 1980, eu não poderia deixar de citar também o momento que estamos vivendo. Tratei de pesquisar como a pandemia do COVID-19, afetou a vida de mulheres trans e travestis que vivem marginalizadas na cidade.
A escolha por livro-reportagem foi, num primeiro momento, porque gosto da escrita, mas também foi porque tenho a pretensão de fazer essa história atingir o máximo de pessoas possíveis e acredito que em forma de livro isso se torne mais fácil. O produto também me permitiu usar de elementos poéticos, artísticos e principalmente, dar voz a quem sentiu e sente na pele as mais diversas atrocidades pelas mãos do Estado. Pude sair da ideia do narrador e deixar que a história fosse contada por quem a viveu.
As pautas identitárias, principalmente raça e LGBT+, sempre estiveram presentes na formação do meu pensamento crítico, mas foi a partir do NA TEIA que eu tive mais contato com a história e a vida da população trans e travesti, em especial, da capital paulista. A ideia de “teia”, não está só ligada à Operação, mas também às redes de suporte que foram criadas por movimentos sociais extremamente organizados e dispostos a enfrentar toda a violência imposta a essa população.
Tivemos muitos avanços durante todo o período, tantos que inclusive esse pode ser hoje um tema de TCC, mas para que não haja mais retrocessos e que possamos dar passos mais assertivos é necessário entender que a história não começou a ser feita agora. É preciso olhar para as batalhas que já foram travadas e dar protagonismo para quem viu ou viveu esses momentos e como profissionais de comunicação acredito que é nosso dever resgatar, estudar e amplamente divulgar todo esse conteúdo.