Comemoração e Reflexões marcaram o dia da África no Campus Ana Rosa do FIAMFAAM
NERA completa dois anos no mês de maio e comemoração contou com presenças importantes no debate racial e lançamento da Revista DUMELA
Texto: Ana Luiza Antunes [1]
Carla Tôzo [2]
Publicado originalmente na AICom [3]
Há dois anos nascia o Núcleo de Estudos Étnicos e Raciais (NERA), idealizado pela professora doutora do curso de Jornalismo do FIAMFAAM, Maria Lucia Silva, que engajada no tema teve a importante e marcante ideia de criar um espaço dentro do curso de comunicação para debater sobre raça, preconceito e discriminação. Desde então o NERA vem criando, com dedicação e comprometimento, debates que visam construir conhecimentos sobre as relações étnicos raciais e sobre histórias da cultura afro-brasileira e africana, além de promover oportunidades para que pesquisas e estudos sejam realizados dentro dessa reflexão em todo o complexo FMU-FIAMFAAM.
Para comemorar seu aniversário, o Núcleo promoveu na manhã desta sexta-feira (25), no Campus Ana Rosa, um debate inspirador sobre os países africanos de língua portuguesa. O evento realizado para celebrar o Dia da Libertação da África contou com a presença de Nádia Ferreira de Guiné Bissau, graduada em Letras, Madalena Bivi de Moçambique, doutoranda em educação, Pedro Pessula de Moçambique, graduado em educação e Yuran Judelfino Tinta de Angola, graduando em Relações Internacionais.
A data tem por objetivo exaltar uma grande conquista do povo negro africano e lembrar a emancipação do continente que foi libertado do colonialismo e Apartheid. O dia também tende a refletir a luta desses povos, que através de movimentos e intervenções, visam desconstruir pensamentos errôneos sobre o continente, além de incentivar a solidariedade e desejo de união por um mesmo objetivo. Para isso, nada mais justo do que convidar pessoas que entendem essa realidade e trazem culturas e hábitos que constroem suas identidades.
Os convidados falaram sobre questões políticas, comportamento, dialetos e tecnologia na realidade africana, além de debaterem assuntos como o empoderamento do povo africano, adaptação em outra nação e visões distorcidas de suas culturas. Sobre a concepção realizada da África pelo ensino e pela mídia, que predomina nos debates contemporâneos, Yuran Judelfino afirma que a maior dificuldade para desconstruir esse pensamento provém de ideologias historicamente dominantes. “É possível perceber uma formação europeia hegemônica nos Estado de direito. Se o que se aprende desde criança já possui essa visão, fica difícil desfazer esse pensamento.”
E completa dizendo em que momento da educação formal deveríamos voltar para tratar desse assunto de outra maneira: “Aprendemos desde criança o que é importante para escritores e pensadores europeus. Mas assim como a Europa, a América Latina e a África também possuem pensadores e intelectuais importantes. Deveríamos inserir esse olhar para a história dos países periféricos desde nossa inserção nas escolas”.
“Me descobri mulher, negra e pobre”
Já para Nádia Ferreira, atuante em movimentos sociais ligados a gênero, diáspora africana e direitos humanos, a educação formal brasileira precisa ser trabalhada de maneira a mostrar as verdadeiras raízes que moldaram a realidade do país que conhecemos e discutimos atualmente, além de debater a representatividade do negro e da mulher africana dentro de um espaço com características e identidades africanas. “É preciso mostrar como a nação brasileira foi construída, qual povo é majoritário e quais são suas principais influências culturais. Valorizar também a questão étnica e cultural e principalmente o negro no espaço de poder e decisão, principalmente as mulheres.”
Nádia ainda afirma que é necessário trabalhar a representatividade do negro na mídia e em sociedade, tratando-o pela sua identidade étnica de fato. “A questão de gênero, da inserção no mercado de trabalho e representatividade nas novelas e revistas precisam ser trabalhadas com mais afinco. Também precisamos tratar o negro como negro mesmo. Utilizar moreno e pardo é desqualificar o negro. Não é um favor que se está prestando, mas sim a diminuição de uma identidade.”
E termina dizendo que o racismo ainda é uma questão forte no Brasil que deve ser discutido. “A gente quando chega, negro e imigrante, tem esse choque de lidar com várias diversidades culturais e linguísticas, pois acabam te rotulando de uma maneira muito negativa. Eu costumo dizer que cheguei uma Nádia menina e vim para estudar. Hoje me descobri uma Nádia mulher, negra e pobre. Por isso acredito que o racismo no Brasil é algo que deve ser discutido, trabalhado e colocado com frequência”.
Ainda nessa linha de raciocínio, Madalena Bivi diz que os constantes diálogos são grandes inspirações para inspirar a transformar cada vez mais. “Os negros que não são bem-vindos sentem-se motivados a lutar por aquilo que é sua identidade. Enquanto assistem e observam essa luta dos africanos, eles veem que é possível vencer.”
Representatividade estereotipada
Apesar da população brasileira ser composta por 54% de negros, a maioria no país, sua representatividade na mídia ainda é muito baixa. Para Guilherme Soares Dias, mediador do debate, jornalista e integrante do Cojira – Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial que realiza pesquisas sobre o negro no mercado de comunicação – e Paulo Pessula, a visibilidade do negro na televisão é muito estereotipada e tem forte ligação com a história do negro no Brasil.
“Quando ligamos a televisão, não vemos falar sobre o genocídio da população negra que é a que mais morre no país. No entanto, quando se tem notícias da violência que o negro pratica, isso é muito mais valorizado”, declara Guilherme. “O negro sempre foi secundarizado. De acordo com a história construída sobre os negros, é natural que eles tenham papéis secundários”, admite Paulo.
Guilherme também revela dados sobre a inserção do negro no mercado de trabalho: “A gente percebe que o número de profissionais negros hoje na imprensa é muito pequeno. Apenas 23% dos jornalistas no Brasil são negros. Por isso, o Cojira tem o trabalho de querer mudar essa situação e informar sobre pessoas negras que são importantes no jornalismo, mas não tem o mesmo espaço na grande mídia”.
Encerrando com chave de ouro
O debate também contou com a presença de Inês Dionísio Queme, bailarina moçambicana que após o encerramento do debate, realizou uma apresentação ao som de músicas e ritmos africanos, ensinando passos e movimentos de sua cultura. Outra marcante presença foi o grupo musical Maria Maria’s Musicoterapia, Raça e Identidade, formado pelas alunas do curso de Musicoterapia da FMU, que realizaram uma emocionante apresentação de grandes canções que visam dar maior visibilidade e mostrar o cotidiano do negro que sofre calado.
Para terminar a comemoração do Dia da África e o aniversário do NERA, o evento realizou a entrega da primeira edição digital e impressa da Revista Dumela, projeto realizado pelo Núcleo de Estudos Étnicos e Raciais e que tem como responsáveis as professoras Maria Lucia da Silva, Carla Tôzo e Edilaine Felix. A revista tem o intuito de divulgar histórias, movimentos, pesquisas e personalidades negras importantes nas questões raciais, além de combater o racismo e intolerância. Ela pode ser acessada no site da revista (www.revistadumela.com.br), e por lá você pode acompanhar os artigos e estudos realizados por alunos e professores da Instituição. As edições serão publicadas semestralmente em maio e novembro, meses importantes para a representatividade étnico-racial.
[1] Ana Luiza Antunes é aluna do terceiro semestre de Jornalismo e estagiária da Agência Integrada de Comunicação (AICom)
[2] Professora do curso de Jornalismo. Atua na Agência Integrada de Comunicação (AICom).
[3] https://aicomfiam.net